Contornos - Educação e Pesquisa: janeiro 2024

26 janeiro 2024

Infrequência escolar: rotinas e estratégias na escola

No ano de 2022 atuei como orientadora educacional de uma escola de ensino fundamental em um município de Santa Catarina e tinha como atividade diária o trabalho de prevenção e combate à infrequência escolar. O desaparecimento ou faltas alternadas de um estudante pode ser indício de situações como desinteresse, problemas de saúde, trabalho infantil, violência, maus tratos e/ou negligência, além da violação do direito à educação, por isso, o tema é sempre urgente.

Neste texto, o objetivo é apresentar de forma ampla a rotina de combate e prevenção à evasão escolar na perspectiva tanto da orientação pedagógica quanto do/a professor/a em sala de aula. Várias das informações e protocolos aqui descritos estão disponíveis no curso “Infrequência escolar e o programa APOIA do MPSC” disponível no link: Infrequência Escolar e o Programa APOIA do MPSC


Rotina da orientação pedagógica

Com a verificação da alta quantidade de faltas (mediante aviso dos professores ou averiguação no sistema), era dado início aos registros e estratégias de resgate. Primeiramente, era preciso entender o que levou o estudante a deixar de frequentar. Antes de prosseguir, é importante diferenciar os conceitos de frequência, infrequência, abandono e evasão escolar.

Frequência escolar é o modo de medir a periodicidade com que os alunos estão comparecendo à instituição de ensino. Utilizamos os dados das chamadas feitas pelos professores diariamente,

O abandono escolar é caracterizado pela infrequência, ou seja, o desaparecimento do estudante ou alta quantidade de faltas (os parâmetros costumam ser em torno de 5 faltas seguidas ou 7 alternadas sem justificativa em 30 dias). Nesse caso, o estudante falta muito ou não vem mais, porém tem matrícula no ano seguinte.

Já a evasão escolar é quando o estudante não permanece em lugar algum, sai da escola e não retorna, não se matricula mais.

Portanto, na rotina, trabalhamos no combate à infrequência, que é por onde começa o abandono e a evasão escolar. Os motivos para a infrequência são diversos e há uma grande quantidade de estudos a respeito. O MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) destaca algumas questões como as dificuldades de aprendizagem, a violência na escola (sobretudo o bullying), gravidez, trabalho, falta de transporte, entre outros. Também observei, mais recentemente, a infrequência relacionada a questões de saúde mental sem tratamento.

As configurações de cada caso são múltiplas e podem correlacionar várias questões, portanto, também demandam estratégias diferenciadas. Uma parte importante desse processo são os registros: das comunicações com os professores, das tentativas de contatos com os responsáveis, das reuniões, dos encaminhamentos realizados e outros atores da rede de proteção que foram acionados.

As formas de registros são diversas e devem fazer sentido na organização de cada profissional. Para a minha experiência, precisei usar (1) uma planilha com as comunicações dos professores e tentativas de contato com as famílias; (2) um planner para organizar as reuniões agendadas com famílias, professores e outros profissionais; (3) caderno com anotações sobre as reuniões e encaminhamentos.

(1) Modelo planner: Planner semanal e mensal  (PDF)
(2) Modelo planilha: Planilha Busca Ativa (Google Drive)

Quando havia reuniões com familiares, era realizada uma ata de reunião, assinada pelos presentes ao término. Dado o pouco tempo entre as atividades, na maioria das vezes as atas eram realizadas à mão em um livro de atas ou cadernos. Trata-se de uma tarefa muito difícil atender as famílias e fazer conversas complexas tendo que ao mesmo tempo secretariar e registrar a reunião, ainda que com outro colega acompanhando (o que é altamente recomendável), mas sabemos que a realidade é que temos poucos materiais e muitas demandas urgentes.

Aqui em Santa Catarina, temos o programa APOIA do MPSC que une as informações sobre infrequência, os fluxos e as estratégias adotadas por cada componente da rede (escolas das redes municipais, estaduais, federais e particulares, Conselho Tutelar e Ministério Público). É por meio desse programa que a escola registra o estudante, a quantidade de faltas e os contatos e estratégias realizadas junto aos responsáveis. Caso o estudante não retorne em 7 dias após o registro, a escola deve notificar, pelo sistema, o Conselho Tutelar. Se em 14 dias após o encaminhamento o estudante ainda não retornou, o caso vai para o Ministério Público. Por meio do sistema é possível acompanhar o fluxo, adicionar documentos, atualizar dados, informar o retorno, entre outras funcionalidades.

De acordo com o MPSC, as causas mais frequentes de abandono escolar relatados no APOIA são:
  • desinteresse/ não quer retornar
  • dificuldade de aprendizagem
  • problemas familiares
  • problemas de saúde
  • mudança de endereço sem confirmação de estar estudando
  • trabalho
  • gravidez/parto recente
  • responsáveis não localizados (não se sabe o motivo do abandono escolar)

O programa contribui muito para a gestão dos dados a respeito da infrequência no estado de Santa Catarina. No entanto, como qualquer sistema dessa magnitude, precisa de capacitação para o melhor aproveitamento e aperfeiçoamento no sistema em si. Um grande desafio da rotina é fazer os atendimentos, registros e lançamentos no sistema, considerando todas as demandas diárias da orientação pedagógica.

Estratégias da equipe pedagógica

Na minha experiência como orientadora, os professores foram muito parceiros na comunicação sobre as faltas e hipóteses sobre as causas da infrequência. Frequentemente fazíamos reuniões de assessoria individual com alinhamento das comunicações sobre faltas e também conversávamos sobre os encaminhamentos feitos e os possíveis. Essa parceria é essencial para que o trabalho tenha sucesso, embora esse sucesso muitas vezes esteja longe do alcance dos profissionais.

Além do contato com os professores, o contato com a rede intersetorial é essencial para que possam ser feitos encaminhamentos assertivos e ações de prevenção. Por exemplo, é possível realizar parcerias com o CRAS e a UBS da comunidade para realização de palestras na escola e troca de ideias em equipe sobre casos mais graves. O Conselho Tutelar também é um aliado neste trabalho, além de sua atuação obrigatória na busca ativa, dependendo da relação estabelecida, pode também haver uma parceria para discussão dos casos.

Como essas relações intersetoriais são construídas e mantidas são desafios que podem ser discutidos junto à equipe da escola, no entanto, muitas vezes um e-mail, um telefone ou uma visita se apresentando já são o pontapé de uma relação. Eu costumava começar escrevendo e-mails em busca de parcerias com outros órgãos municipais e tive muito sucesso, especialmente com o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social).

Os resultados obtidos com as estratégias devem ser monitorados pelos registros (como a planilha de acompanhamento dos casos), para que se possa planejar estrategicamente quais ações foram mais eficazes para os tipos de casos.

Rotina da professora em sala de aula

Hoje estou como professora em sala e lembro da importância do contato com a orientação, procuro a orientadora ou assistente pedagógica da escola e faço registros formais quando a infrequência começa a ocorrer. É interessante fazer o registro por escrito ou por e-mail, para que todos os envolvidos estejam seguros sobre terem feito os encaminhamentos.

No contexto que trabalho atualmente (Ensino Médio), o combate à infrequência se dá de maneira diferenciada do ensino fundamental, até porque muitas vezes os estudantes são maiores de 18 anos e não mais abrangidos pelos encaminhamentos via APOIA. Assim, o trabalho dos professores é também uma prevenção diária à infrequência, com o que se pode fazer desse lugar. Os últimos anos (durante e após a pandemia) foram bastante desafiadores nesse sentido e tentei estratégias diversas para incentivar os estudantes e combater o desânimo com os os estudos (ainda que as causas para infrequência sejam diversas e mais do que uma atitude pessoal). Organizei um site com os materiais da disciplina para que os estudantes se organizassem, formei grupos de estudos com direcionamento para o ensino técnico e superior, promovi saídas pedagógicas no período noturno, chamei ex-alunos da escola para conversarem sobre a vida depois de formados, convidei palestrantes com diferentes trajetórias, e, muitas vezes, em conversas informais, estreitamos os laços que davam força para continuar.

Você já se deparou com um contexto de alta evasão escolar? Que aspectos você percebeu que podem ter influenciado a desistência dos estudantes naquele ano letivo? No papel de professor, que tipos de ações você proporia para prevenir a evasão escolar?

Sugestões de material complementar

Rita de Cássia Pacheco Gonçalves. PROCESSOS PEDAGÓGICOS PARA PERMANÊNCIA E ÊXITO. Material do curso ESPECIALIZAÇÃO Educação Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos - PROEJA - PROEJA_processos_pedagogicos.pdf

SANTA CATARINA (2018) - POLÍTICA DE EDUCAÇÃO, PREVENÇÃO, ATENÇÃO E ATENDIMENTO ÀS VIOLÊNCIAS NA ESCOLA - Caderno - Política de Educação, Prevenção, Atenção e Atendimento às Violências na Escola - NEPRE.pdf

Ano novo, novos textos

De uns anos para cá, a continuidade deste espaço passou a ser um desafio, pois ao mesmo tempo em que tenho aprendido muito e tenho várias questões para expor e comentar, há pouco tempo em meio às rotinas da atuação direta na educação básica. No entanto, com a explosão de conteúdos em imagens e vídeos (esses cada vez mais curtos e acelerados), fiquei motivada a produzir TEXTOS.

Assim, preparei uma série de ensaios sobre cursos, leituras e práticas que realizei nos últimos anos, buscando contribuir com um conteúdo acessível em texto para estudantes, professores e pesquisadores. Que seja um ano de muito aprendizado com tranquilidade e leveza para todos nós.

Abs,

Vanessa