Contornos - Educação e Pesquisa: junho 2014

01 junho 2014

A construção da metodologia na pesquisa social

Este artigo é um subcapítulo do trabalho: PEREIRA, Vanessa Souza. A emergência de novidades metodológicas no campo virtual: uma análise de estudos no ciberespaço. Trabalho de Conclusão de Curso - Bacharelado em Ciências Sociais - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2012.

Distinguindo-se do conhecimento comum, o conhecimento científico se concretiza na atividade de pesquisa, cuja fundamentação se dá através de teorias, conceitos, métodos e técnicas. A pesquisa constitui-se como atividade básica da ciência na sua indagação e construção da realidade. 

Uma pesquisa inicia com um problema articulado a conhecimentos anteriores, mas possíveis de demandar novos referenciais. Esses conhecimentos anteriores, construídos por outros estudiosos, são um sistema organizado de proposições e são chamados de teorias. Para Minayo (1994), as teorias são tentativas de aproximação e explicação (parcial) da realidade, contextualizadas e compostas de conceitos. A metodologia de pesquisa seria o caminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade. Ela reúne as concepções teóricas da abordagem de um objeto, as técnicas de investigação, as quais encaminham os impasses teóricos para a prática, e o potencial criativo do pesquisador (MINAYO, 1994). Sobre o trabalho de campo, a autora defende que seja um recorte empírico da construção teórica e um momento prático de confirmação ou refutação das hipóteses e construção de teorias. 

A metodologia de pesquisa possui um sentido mais técnico dentro projeto científico, no qual se constituem regras para definir um objeto e as escolhas referentes ao trabalho de campo e aos instrumentos para investigação. Boudon e Bourricaud salientam que a atitude crítica do pesquisador na análise do objeto também constitui a ideia de metodologia de pesquisa:
Contrariamente a uma confusão corrente, essa noção [metodologia de pesquisa] designa, não só as técnicas de investigação empírica e da análise de dados, mas a atividade crítica que se aplica aos diversos produtos da pesquisa (BOUDON e BOURRICAUD, 2000a, p. 336).
Assim, podemos entender que a abordagem metodológica de um estudo científico visa sistematizar o modo como se estudará um objeto para alcançar os objetivos propostos. Essa atividade engloba aspectos que devem ser explicitados ao longo do trabalho científico: o tipo de estudo, qual será a população-alvo da pesquisa empírica, como os dados serão coletados/produzidos, quais serão os procedimentos para análise e interpretação dos dados, etc. Porém, sobretudo visa estudar e definir as escolhas teóricas em busca da compreensão do objeto proposto. As técnicas de produção e análise de dados são fruto de um processo de construção e constituem o nível mais operacional das definições metodológicas (COTANDA et al, 2008).

Oliveira (1998) traz um bom exemplo sobre o lugar do método na pesquisa: 
Ao se falar, por exemplo, em método Paulo Freire de aprendizagem, a  discussão seria muito mais redutora se apenas aludisse aos recursos e  instrumentos de que se vale para promover a alfabetização; seria necessário ir além para perceber o embasamento teórico, que dá suporte e consistência ao método. De que modo encara a educação? Quais os pressupostos da relação entre educador e educandos? Como tais questões podem interferir na produção do saber? (p. 21)
Para Bourdieu et al (1999), mesmo as técnicas mais empíricas não são descoladas das opções teóricas. Os métodos seriam então construídos em função do objeto. Para ele, são os pressupostos teóricos que fazem os dados empíricos funcionarem como evidências científicas. Mesmo que os autores referidos defendam a construção do método em função do objeto, considero que outros fatores também podem influenciar a construção, entre eles as especificidades do local do trabalho de campo, como no caso dos ambientes virtuais.

Considerar que a realidade é complexa e não-linear e que o conhecimento é sempre provisório, não significa, contudo, que nenhum método será capaz de captá-la satisfatoriamente (DEMO, 2002). Segundo o autor, “em parte, este reducionismo é natural, inevitável” (p. 361). Ao fazer pesquisa buscamos ordenar e estruturar, o que representa uma violência analítica, pois a força a caber em categorias estranhas a sua dinâmica complexa e não-linear. Contudo, mesmo que consideremos que “explicar é  inapelavelmente também simplificar” (p. 361), a explicação teórica organizada se faz necessária para delimitar/definir o objeto e os objetivos do trabalho científico, visto que, sem esses, o trabalho do pesquisador seria um emaranhado confuso.

Referências:

BOUDON e BOURRICAUD. Metodologia. In: _________. Dicionário crítico de sociologia. 2ª ed. São Paulo:Ática; 2000a.
BOURDIEU, Pierre, CHAMBOREDON, J.C; PASSERON, J.C. Ofício de Sociólogo. Metodologia da pesquisa na sociologia. Petrópolis, Rio de Janeiro, 1999.
COTANDA, SILVA, ALMEIDA, ALVES. Processos de Pesquisa nas Ciências Sociais: uma introdução. In: PINTO, GUAZZELLI. Ciências Humanas: pesquisa e método. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2008.
DEMO, Pedro. Cuidado Metodológico: signo crucial da qualidade. Sociedade e Estado, Brasília, v. 17, n. 2, jul/dez, 2002. p. 349-373.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. Ciência, Técnica e Arte: o desafio da pesquisa social. In: _____. (org.) Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 18ª ed. Petrópolis: Vozes, 1994.
OLIVEIRA, Paulo de Salles. Caminhos de construção da pesquisa em Ciências Humanas. In: _________. Metodologia das Ciências Humanas. São Paulo: Hucitec, Unesp, 1998, p. 17-26.