Contornos - Educação e Pesquisa: As tecnologias digitais e o ensino em tempos de pandemia

10 dezembro 2020

As tecnologias digitais e o ensino em tempos de pandemia

Por Prof. Djeison Machado

 A pandemia causada pelo novo coronavírus causou um grande impacto na educação em 2020. Apesar de previsível, a chegada do vírus ao Brasil ocorreu de forma rápida demais para as redes de ensino e escolas da educação básica se prepararem. Diversos gestores optaram por manter as aulas através do que ficou conhecido como ERE (ensino remoto emergencial), apoiado na maioria dos casos pelo uso das TDICs (tecnologias digitais da informação e comunicação), explorando principalmente as plataformas digitais de ensino da Google e da Microsoft.

    Professores e professoras ganharam novos desafios: reconstruir o planejamento considerando as novas condições impostas pelo ERE, aprender a utilizar as plataformas digitais adotadas pelas redes e escolas, produzir materiais didáticos digitais (e em alguns estados as versões impressas destes), pensar em estratégias para manter os vínculos com os estudantes, criar uma rotina de trabalho em home office e manter em condições saudáveis suas próprias saúdes físicas e mentais. Se isso tudo já não fosse o bastante, o medo do uso das TDICs foi arrancado do armário onde vários professores o mantinham trancado e escondido. Tornou-se comum ouvirmos em diversos espaços que “a pandemia acelerou uma mudança que estava prevista para ocorrer ao longo dos próximos anos na educação, ela [a pandemia] trouxe as TDICs para os planejamentos de todos os docentes”.  É necessário que façamos algumas reflexões acerca disso tudo, para que possamos minimamente compreender o que aconteceu neste ano e quais caminhos devemos perseguir no período pós-pandemia.

Fonte: https://topagitos.com.br/ensino-na-pandemia-com-aulas-remotas-aumenta-o-estresse-e-ansiedade-dos-profissionais-da-educacao/

    Discussões, pesquisas e práticas com as TDICs na educação básica não são novidades. Há diversas redes, escolas, professores e professoras que há muito tempo já exploram os recursos digitais em suas aulas. A novidade deste ano foi o uso das tecnologias digitais em larga escala por quase todos os docentes e como política pública para promover alguma forma de ensino durante a pandemia. Vimos nos noticiários e nos relatos de nossos amigos e familiares que o ERE expôs a desigualdade social entre as escolas, mas pouco ouvimos sobre as desigualdades das habilidades dos professores e das professoras para incorporarem as TDICs em seus planejamentos. Parte do magistério nunca foi exposta a discussões teóricas e metodológicas sobre o uso das TDICs, nem tampouco puderam experimentá-las em suas aulas devido à precariedade (ou inexistência) destes recursos nas escolas. Desta forma, muitos professores e professoras tornaram-se suscetíveis a discursos sobre o uso das TDICs que são de senso comum, de experiências de seus colegas e/ou de instituições que possuem interesses escusos aos da promoção de uma educação crítica e de qualidade.

    Não raramente, vemos as TDICs serem apresentadas como uma forma para chamar a atenção dos estudantes e motivá-los a aprender. Assume-se que os estudantes por serem nativos digitais irão se interessar mais pelas aulas se elas foram digitalizadas e explorarem recursos tecnológicos como óculos de realidade virtual, jogos, vídeos e redes sociais. No entanto, quando pensamos em mudar o formato de uma aula para agradar os estudantes, corremos o risco de tornar nossas aulas um produto desenhado para satisfazer supostos desejos que acreditamos existirem em nossas salas de aulas. Não podemos correr o risco de repetirmos a lógica do consumismo, em que o cliente (estudante) só consome aquilo (aula) quando está no formato (digital) que lhe satisfaz. A motivação, como a semântica da palavra explica, é algo interno de cada um. Em suas memórias você deve lembrar de vários professores que prenderam a sua atenção apenas com o uso da voz e tantos outros que montaram “um circo” diante de você e não lhe causaram nenhum interesse. Será mesmo que o desinteresse dos nossos estudantes se dá pelo formato das nossas aulas ou talvez se dê por questões institucionais, sociais e pessoais? Seriam as TDICs capazes de resolverem os problemas de desmotivação e desinteresse dos estudantes?

    Também é comum encontrarmos associações entre as TDICs e a velocidade de conclusão das tarefas. Diz-se que uma aula com a utilização das TDICs permite que os estudantes desenvolvam as atividades de forma mais rápida por não “perderem tempo” como ocorreria ao utilizarem outros recursos, como o lápis e o papel. Aligeirar as tarefas, na ânsia de concluí-las mais rapidamente, para talvez concluir mais tarefas no mesmo espaço de tempo, não necessariamente permite aos estudantes aprenderem mais e nem melhor. A dinâmica de aumento da produção através da otimização do tempo é algo que faz sentido no mundo fabril e empresarial, onde tempo é dinheiro. Na educação, sabemos que a aprendizagem não se dá na conclusão das tarefas, mas sim no desenvolvimento destas. Um ambiente de aprendizagem que promove tarefas aos estudantes pensando no cronômetro não parece ser adequado para favorecer algumas condições necessárias para a aprendizagem como  manter o cérebro calmo e atento. Acelerar o percurso de aprendizagem pode acarretar em perdas pois, afinal, aprender leva tempo.

    Há ainda aqueles que defendem o uso das TDICs para que os estudantes dominem as novas tecnologias. O mundo moderno já nos exige a utilização destes recursos em vários momentos e exigirá cada vez mais, por isso caberia à escola preparar minimamente os estudantes para tal realidade através do uso dos recursos disponíveis. No entanto, dado o avanço tecnológico acelerado em que vivemos, é um pouco ingênuo pensarmos que os softwares e equipamentos que podemos utilizar hoje serão os mesmos daqui 10 ou 20 anos, basta pensar em como era a nossa relação com a Internet em 2010 e como ela é hoje, mudou bastante não é mesmo? Talvez fizesse mais sentido ensinarmos alguns fundamentos teóricos e práticos sobre as tecnologias (como programação, por exemplo), talvez assim pudéssemos de fato preparar os jovens para o dinâmico e imprevisível futuro tecnológico que os aguarda, mas não é isso que vemos na maioria das aulas com as tecnologias digitais.

        As TDICs quando propagandeadas como “bala de prata” para os problemas da educação, geralmente costumam apresentar novos problemas ao invés de soluções. Em 2020, por exemplo, vimos a falta de conexão com a Internet, a falta de equipamentos adequados e a pouca alfabetização digital dos estudantes como principais desafios, por vezes limitadores. Também vimos que muitos professores e professoras, por melhor boa intenção que tiveram e esforço que dispuseram, fizeram um uso pobre das TDICs, pois não basta apenas fazer uma vídeo aula transmitida pelo YouTube, isso continua sendo uma aula expositiva; não é suficiente enviar formulários, isso continua sendo um teste de assinalar; solicitar a elaboração de um texto utilizando um software, continua sendo a produção de um texto; pedir um vídeo aos estudantes apresentando um tema, continua sendo uma apresentação de trabalho que antes era feita na sala de aula mas que agora se deu na frente da câmera.

    O que vimos durante 2020 com o ERE foi, em muitos casos, a digitalização das mesmas práticas que já eram realizadas nas aulas presenciais. É claro que não há problemas em transpor as práticas antes realizadas no ambiente com lápis e papel para o ambiente digital. O ambiente digital é bonito, é agradável, usar softwares e a Internet permite que a alfabetização digital aconteça, além do fato de que o meio ambiente agradece a redução do uso de papel. Também não podemos negar a importância das aulas expositivas que foram transmitidas pela Internet neste ano, elas foram fundamentais para que estudantes e seus professores mantivessem contato.  Muito menos devemos deixar de dar o reconhecido crédito a todos os professores e todas as professoras que fizeram limonadas com os limões que lhes foram dados. Mas é preciso ressaltar que a falta de discussões e reflexões teóricas e metodológicas sobre o uso das TDICs na educação nos fez perder uma janela de oportunidades única que a pandemia nos trouxe. Foi um momento em que os professores e as professoras precisaram utilizar os recursos digitais, mas ninguém os mostrou como o ensino e a aprendizagem poderiam ser diferentes com estes recursos, então, eles fizeram o que sabiam fazer na versões digitais e disponibilizaram aos estudantes através das plataformas.

Não podemos nos iludir achando que 2020 foi um ano de grandes mudanças na educação e que 2021 será diferente de 2019 porque agora os professores sabem compartilhar uma planilha, fazer um vídeo no YouTube e organizar o Google Sala de Aula. A pandemia e o ERE deixaram evidentes que as metodologias de ensino classificadas como tradicionais estão presentes até hoje, não por acaso, nem comodismo, porque funcionam bem para o modelo de educação de massas e que a incorporação das TDICs e ambientes virtuais de aprendizagens por si só não são capazes de promover mudanças significativas para esta estrutura educacional que temos. Espero que as experiências vividas por professores e estudantes neste ano nos auxiliem a pensar como as tecnologias digitais podem ser utilizadas para promover aprendizagens não possíveis com os atuais recursos comumente utilizados. Convido-lhe a refletir sobre qual foi o uso que você fez das TDICs durante o ERE em 2020, sobre o que você aprendeu e poderia compartilhar com seus pares e sobre o que você percebe que ainda precisa aprender. Ainda temos um longo caminho a percorrer, muitas leituras, diversas reflexões e principalmente trocas de experiências sobre o uso das TDICs para que estas nos sirvam na construção de um modelo de educação mais crítico e de qualidade. Por fim, deixo como sugestão uma antiga charge, velha conhecida de muitos cursos de licenciatura e de formação continuada, que nos convida a refletir sobre o uso das novas tecnologias nas nossas aulas.


(48) Metodologia ou tecnologia - YouTube


Djeison Machado
 
Professor efetivo na Rede Estadual de Educação de Santa Catarina. Licenciado em Matemática (UFSC), possui mestrado em Educação Científica e Tecnológica Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e especializações em Psicopedagogia (Faculdade Municipal de Palhoça), Ensino de Ciências (IFSC) e Metodologia do Ensino de Matemática (Uniasselvi). É professor de matemática em escolas públicas e privadas desde 2011.     Contato: djeison@outlook.com


COMO REFERENCIAR ESTA POSTAGEM:

MACHADO, Djeison. As tecnologias digitais e o ensino em tempos de pandemia. Contornos - Educação e Pesquisa, Florianópolis, 2020. Disponível em: <http://www.contornospesquisa.org/2020/12/as-tecnologias-digitais-e-o-ensino-em.html>. Acesso em: dia/mês/ano.   

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