Contornos - Educação e Pesquisa: Pesquisa Documental: utilização e abordagens metodológicas

11 abril 2012

Pesquisa Documental: utilização e abordagens metodológicas

A pesquisa documental é um recurso metodológico ainda visto como um complemento à produção de dados na prática de pesquisa social. É comum observarmos a utilização dos documentos nas pesquisas como uma ferramenta para reforçar o entendimento, situando relatos em um contexto histórico ou como um método que possibilita comparações entre as interpretações do observador com documentos relacionados.
Entretanto, Tim May (2004) apresenta outras perspectivas que elevam a pesquisa documental como um método que possui seus próprios méritos e potencialidades ainda pouco reconhecidas.

Por que não há tantos textos dedicados à pesquisa documental como outros métodos mais conhecidos?

May aponta três possíveis respostas para esse fenômeno. Uma é a influência positivista que rejeita a utilização de dados como base para uma pesquisa, considerando-os um “empirismo grosseiro”. Também há a ideia de que a pesquisa documental remeteria à pesquisa histórica, como se estivesse distante das Ciências Sociais (e de outras áreas do conhecimento). Além disso, a pesquisa documental dificilmente é considerada como um método, pois dizer que se utilizará documentos é não dizer nada sobre como eles serão utilizados. Desenvolveremos esse “como utilizar” mais adiante.

Fontes da pesquisa documental: como definir os documentos

John Scott (1990, apud May, 2004) define os documentos, em um sentido geral, como textos escritos, tanto em papel quanto em arquivos de computador, os quais têm o conteúdo como propósito primário. Podem ser considerados para a pesquisa documental: relatórios, estatísticas oficiais, registros governamentais, discursos, conteúdo de mídia de massa, romances, peças, desenhos, mapas, documentos pessoais, diários, fotografias e uma gama de materiais.


Classificação dos documentos

A partir de uma revisão sobre a literatura da classificação de documentos, May mostra que as mais utilizadas são as seguintes:

  • Primários, secundários e terciários: quanto à proximidade do autor do documento com o fato. Os documentos primários são os produzidos por testemunhas diretas, as quais possuem maior proximidade em tempo (memória) e espaço com o evento. Os documentos secundários são produzidos após o evento e por um autor que não o testemunhou diretamente. Utiliza-se estes especialmente para acrescentar informações sobre o contexto social. Já os terciários servem para localizar outras referências. São os índices, resumos e outras bibliografias.
  • Públicos e privados: quanto à disponibilidade do documento. Geralmente os documentos produzidos pelo governo são públicos, no entanto, vários desses também podem ser restritos.
  • Socilitados e não-solicitados: esta classificação foi criada tendo em vista que alguns materiais são produzidos visando a pesquisa (como relatórios e estatísticas) e outros para uso pessoal.

O processo de leitura de documentos

Em contraposição às visões mais positivistas, May demonstra, através da perspectiva de diversos estudiosos sobre o tema e pesquisadores que se utilizaram da pesquisa documental, como método como os documentos podem constituir-se como um reflexo da realidade e, mais do que isso, reconstruir a realidade social e as versões dos eventos.

Dessa forma, um documento não pode ser lido de uma forma “desligada”. É uma questão interessante, pois o pesquisador não precisa se desculpar por fazer parte do contexto que estuda, pelo contrário, pode utilizar-se disto para considerar as diferenças de suas próprias estruturas de significado com as encontradas no texto.

May sugere um processo para a leitura analítica de um documento:

análise dos procedimentos de senso comum –> localização em um contexto político e social –>exame do processo de produção das informações

Tal leitura só é possível pois o que as pessoas decidem registrar relaciona-se com o ambientes sociais, políticos e econômicos, além de seu imaginário, suposições e intenções. Não podemos esquecer que, antes de qualquer coisa, documentos são materiais produzidos por pessoas, portanto, não são artefatos neutros que registram a realidade social com independência.

Por isso também podem ser interessantes tanto pelo que contém quanto pelo que deixam de conter, como por exemplo a marginalização de grupos particulares e a caracterização social de outros.

John Scott sugere também três níveis de interpretação do significado:

  • o que o autor pretendia produzir
  • significados recebidos como são construídos pelo público em situações sociais diferenciadas
  • significados internos (mais profundamente estudados pela semiótica)

Impedimentos práticos para utilização de documentos

Um pesquisador precavido deve contar com imprevistos, inclusive quando utiliza a pesquisa documental, que parece ser “segura” nesse sentido. Fique atento a situações como:
  • os documentos necessários para a pesquisa podem não estar disponíveis;
  • o responsável pela guarda pode não permitir o acesso;
  • a publicação dos materiais pode prejudicar a memória do autor ou do grupo ao qual se refere;
  • o materiais podem mudar a forma/apresentação com os anos, inviabilizando a comparação das mudanças;
  • uma quantidade muito grande de dados pode requerer muito tempo para coleta e análise.

Como avaliar a qualidade das evidências em um documento?

John Scott sugere quatro critérios para avaliar a qualidade das evidências disponíveis a partir de fontes documentais:

  • autenticidade: se um documento é ou não genuíno (mesmo que os não autênticos também possam ser interessantes, dependendo do problema de pesquisa). Pontos sugeridos para avaliação:
    • o documento pode conter erros óbvios ou inconsistências em si mesmo;
    • observar versões diferentes do mesmo documento;
    • inconsistências internas em termos de estilo, conteúdo, caligrafia, etc;
    • origem do documento;
    • inconsistências em relação a outros documentos semelhantes;
    • conciso demais para ser representante de um grupo de documentos.

  • credibilidade: evidência sincera e não distorcida;
  • representatividade: se o documento é “típico” segundo os interesses do pesquisador;
  • significado: clareza do documento para o analista - “o que ele é? O que ele nos diz?”

Sobre a apresentação dos dados

Jennifer Platt (1981 apud May, 2004) observa que a apresentação de resultados de pesquisa baseados em análise de documentos é diferente quando se trata da demonstração de um pequeno número de casos ou de exemplos de um fenômeno social. 

A autora sugere algumas estratégias, uma delas é primeiramente relatar o método utilizado no início do trabalho, firmando as elaborações sobre o procedimento. Outra seria de relatar o método conforme cada análise apresentada – em um método semelhante ao do uso de notas de rodapé pelo historiador. Uma terceira sugestão seria de um “estilo ilustrativo”, na qual o pesquisador seleciona exemplos específicos dos documentos analisados para ilustrar as características do fenômeno. Por fim, Platt defende a utilização das três, descrevendo o método de forma sistemática.

REFERÊNCIA
MAY, Tim. Pesquisa Documental: escavações e evidências. In: ________. Pesquisa Social: questões, métodos e processos. Porto Alegre: Artmed, 2004.

Como citar este artigo:
PEREIRA, Vanessa Souza. Pesquisa Documental: utilização e abordagens metodológicas. Contornos - Educação e Pesquisa. 2012. Disponível em: <http://www.contornospesquisa.org/2012/04/pesquisa-documental-utilizacao-e.html> . Acesso em: dia/mês/ano.

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